Opinião

Demarcação de terras do povo Tabajara na Paraíba é reparação histórica

O Brasil assiste à tragédia dos Yanonomami. Fome, estupro, massacre e uma série de denúncias pelo estado brasileiro que não tomou nenhuma medida de segurança e amparo aos povos originários. A escalada de crimes contra indígenas inclui ainda estímulo ao garimpo e à grilagem, desmatamento ilegal, expropriação e fim das demarcações de territórios, principal. O Marco Temporal é exemplo disso. Ruralistas o propuseram para que a população indígena seja expulsa das terras ocupadas antes de 1988. O julgamento do caso está parado no Supremo Tribunal Federal desde 2021 com a perspectiva de que volte a ser analisado ainda este ano. Caso aprovado, será a vitória da impunidade e a premiação do genocídio indígena pelo Estado.

Na Paraíba, também há casos de violência contra indígenas que vêm perdendo suas terras para usineiros, granjeiros, hoteleiros. Os Potiguara são maioria, cerca de 20 mil, estabelecidos no litoral norte. Os Tabajara foram reduzidos a cerca de mil famílias. Vivem em lotes da reforma agrária no Conde, litoral sul, nas aldeias Vitória, Gramame e Nova Conquista. E são eles que estão no meio de um conflito que se arrasta há anos e que ganhou novas proporções em 2021, quando a Câmara de vereadores, a pedido da Prefeitura, alterou a lei de ocupação do uso do solo para “modernizar a legislação, garantir novos empreendimentos e gerar emprego e renda”.

Na última terça-feira (1), indígenas fizeram uma manifestação na praia de Tambaba contra as licenças concedidas no município em favor da empresa LORD – Negócios Imobiliários LTDA, contra a construção de grandes empreendimentos na área e pela revogação de todas elas. Segundo eles, a ameaça contra a riqueza e diversidade da fauna e flora no território é real. Há uma ação de 24 agosto de 2022 do Ministério Público Federal para que União e Fundação Nacional do Índio (Funai) demarquem as terras no litoral sul e cassem todas as licenças concedidas em benefício da especulação imobiliária. O prazo era de 30 dias, mas até hoje a ação não foi apreciada pela Justiça Federal. De acordo com o procurador da República Renan Paes Félix há uma audiência de conciliação prevista para 21 de março, seis meses depois de uma recomendação que pedia ação imediata.

Procurada por esta colunista, a Sudema informou que “comprovou a titularidade da área objeto da celeuma por meio de certidão de registro, não havendo qualquer ressalva na documentação apresentada quanto a essa questão”. A Sudema afirmou ainda: “É importante frisar que a área em questão já estava inserida na zona urbana do município desde a aprovação do loteamento, em 1980, não tendo sido localizadas espécies ameaçadas de extinção ou vulneráveis. Além disso, quando da análise do processo, foi verificado o porte da vegetação, sendo esta passível de supressão, nos termos dos artigos 30 e 31 da Lei n. 11.428/2006, tendo ainda o empreendimento resguardado uma área verde maior que a exigida em lei.”

Em outro ponto da nota enviada pela Sudema explica que foi acordado “com a empresa um Termo de Compromisso para Averbação da Área de Compensação Ambiental, conforme prevê a lei” e que, em virtude da pendência de documentos necessários à renovação da “licença de instalação” os efeitos da Autorização de Exploração de Uso Alternativo de Solo estão suspensos até a regularização. A Sudema finaliza informando que, em caso de descumprimento da decisão, tomará providências..

Há três pontos aqui que merecem atenção:

1) A ausência de resposta da Justiça Federal face a provocação do MPF. É flagrante o descompasso temporal em prejuízo dos povos originários que é a parte mais vulnerável de toda essa história. Há uma morosidade que se revela nesse hiato entre ação e decisão e que não se encaixa no que determina a Constituição Federal. E vamos e convenhamos: faltou cobrança por parte do MPF.

2) Destaco ainda o seguinte trecho da nota da Sudema em que a Superintendência afirma que “a área em questão já estava inserida na zona urbana do município desde a aprovação do loteamento, em 1980”. Há um anacronismo nesta afirmação. Ela perde todo e qualquer sentindo quando cai por terra a negação de que aquelas terras pertencem aos indígenas desde antes da invasão pelos colonizadores, em 1500.

3) Cabe ressaltar o papel da Funai, omissa até aqui. Espera-se que com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, essa questão receba atenção devida. Ainda: a responsabilidade do município do Conde na mudança da lei de zoneamento com apoio do legislativo sem amplo debate popular, sem pesar os impactos de qualquer intervenção, sem incluir grupos diretamente afetados pelas decisões tomadas por quem está no poder e sem a colaboração de especialistas. Seguir nessa direção para atender prioritariamente interesses de mercado é perigoso. É também um retrocesso, até porque gestores passam e o problema permanece. Gestões inteligentes incentivam a participação popular, a economia verde e o bem-estar social. O que vem na contramão disso é política de atraso.

Reivindicação antiga

Antes do procurador Renan Paes Félix assumir a missão em defesa dos povos Tabajara, o caso vinha sendo acompanhado por José Godoy Bezerra. Foi ele o autor da ação em favor dos indígenas no município do Conde. “Há pelo menos 29 anos, o novo Estado brasileiro deve aos Tabajara a devolução de suas terras tradicionais”, afirmou o procurador da República.

Sobre o período mencionado, reportagem da assessoria do MPF esclareceu que “o período mencionado é uma referência ao artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que determinou que a União concluísse a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. O prazo venceu em 5 de outubro de 1993”. Godoy explicou que “restou concretizado o direito público subjetivo dos Tabajara de verem suas terras devidamente demarcadas”.

Ainda de acordo com o MPF, relatório “técnico, produzido em 2017 por grupo técnico responsável pela realização de pesquisas e elaboração de Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena (RCID), registrou que as áreas de ocupação Tabajara compreendem ‘os limites dos rios Gramame, ao norte; Abiaí, ao sul; o Oceano Atlântico, a leste; e a BR-101, a oeste’”. Ainda segundo o Relatório, “apesar de ser identificado como área de uso indígena, após a Lei de Terras, de 1850, o território dos Tabajara foi sendo gradativamente ocupado e legalizado pelo Estado e “os indígenas foram confinados a uma pequena porção territorial no interior da Jacoca, tendo redução territorial expressiva de fora para dentro.”

Em resumo: a responsabilidade sobre a expropriação do território Tabajara tem as digitais do Estado brasileiro conforme alertamos inicialmente, com intensificação dos ataques contra os povos originários em todo o país no governo Jair Bolsonaro. O estado deve uma reparação histórica aos povos tradicionais, que passa pela demarcação de suas terras, pelo resgate de sua cultura, pela proteção e garantir de seus direitos que passa pelo direito à vida. Que seja pra ontem. Quem tem fome, de pão e de justiça, tem pressa.