A participação das mulheres na construção social

  • Dia 08 de março é comemorado o dia internacional da mulher e durante todo mês de temos homenagens, eventos e memórias das lutas que nos construíram até aqui. Diante de tal fato, e por ainda estarmos em pleno mês de março, gostaria de trazer um texto que escrevi com muito carinho para participar de uma mesa redonda no Instituto Federal da Paraíba – IFPB, com outras mulheres empoderadas e inspiradoras, nessa importante data.

A ONU oficializou o dia 08 de março em 1975 quando declarou ser este o Ano internacional das Mulheres. O dia 08 foi parte das ações de combate à desigualdade e discriminação de gênero. Essa luta, no entanto, teve seu início muito antes, em 28 de fevereiro de 1909, nos Estados Unidos, marcada por manifestações e marchas em países europeus nos anos seguintes. As manifestações conectavam o movimento socialista ao movimento sufragista, que juntos lutavam por igualdade de direitos econômicos, sociais e trabalhistas, além da igualdade de direitos políticos.

Até hoje tivemos conquistas, mas mantê-las não tem sido fácil, principalmente diante do avanço da extrema direita em várias partes do mundo. Esse avanço representa para nós, mulheres, um gigantesco retrocesso, tendo em vista que tentam nos subjugar e tirar de nós os direitos já conquistados. E se a mulher for preta e periférica, mulher trans e/ou candomblecista, ou de outra religião de matriz afro-brasileira ou afro-ameríndia, esse retrocesso é sem precedentes!

De tal modo, gostaria de afirmar a importância desse momento na conjuntura política nacional quando temos mulheres progressistas ocupando importantes espaços de poder no Brasil e, dentro do IFPB especificamente, cujo cargo de reitora, hoje, é ocupado pela primeira vez, por uma mulher! Ainda estamos longe de ter um cenário ideal, mas ressalto que é de suma importância fomentar a discussão do papel da mulher na construção social e estrutural das instituições públicas, pois é essa discussão propicia a amplificação de nossas vozes dentro e fora dos muros das instituições, ampliando a nossa luta por participação nos espaços de poder, por equidade e contra a violência de gênero, criando espaços dialógicos que permitam mudanças estruturantes e estruturais na sociedade patriarcal e misógina na qual estamos inseridas.

As instituições são reflexo direto da nossa estrutura político-social e cultural. O Brasil é um país patriarcalista, eurocentrista e conservador, cujos governantes históricos foram predominantemente do sexo masculino. Esse fato impacta diretamente na baixa representatividade das mulheres na vida pública e privada, inclusive em instituições como o IFPB que, assim como o Brasil, foi comandada, ao longo da história, por homens e em sua grande maioria, homens brancos. Esse fato revela que a discussão sobre espaços de poder ultrapassam as questões de gênero e incluem outras categorias como classe e raça. É nesse contexto que é importante trazer o conceito do termo feminismo, pois muitas pessoas acreditam, de forma equivocada, que o feminismo é a sobreposição da mulher em relação ao homem. O termo, no entanto, se refere a um movimento que, diante do processo histórico de silenciamentos, marginalização e dominação masculina justificado de diferentes formas, reinvindica a igualdade política, jurídica e social entre homens e mulheres. Na igualdade de gêneros não deve haver dominados ou dominantes, opressores nem oprimidos.

Diante dessas colocações, é interessante iniciar nossa reflexão a partir do momento histórico de 1932, quando o então presidente Getúlio Vargas assinou o decreto que garantiu às mulheres o direito ao voto, no entanto, a “permissão” para votar era dada apenas às mulheres casadas e estas precisavam da autorização dos seus respectivos maridos. Também poderiam votar as viúvas e as solteiras que tivessem renda própria, que fossem alfabetizadas e empregadas. A questão é: quantas mulheres tinham acesso à educação escolar? Quantas ocupavam espaços no mercado de trabalho? A participação da mulher nesses espaços era ínfima e as que ocupavam esses espaços, eram desvalorizadas financeiramente, humanamente e subestimadas profissionalmente. Além disso, sua grande maioria era branca e participava, de alguma forma, das elites oligárquicas brasileiras. Há ainda a parcela de mulheres negras que ocupavam espaços nas cozinhas e nos quartos de despejos das mulheres brancas, das elites do império patriarcal e racista que sempre primou pela manutenção dos seus espaços oligárquicos em prejuízo das camadas vulnerabilizadas e minorizadas social e politicamente.

Em 1946, após muitas lutas e uma intensa campanha pela cidadania plena, o direito ao voto foi, finalmente, estendido às mulheres – brancas! O sexo feminino, considerado pelas elites patriarcais e dominantes como cidadãs de segunda classe, iniciaram assim, a busca pela representatividade nos espaços de poder.

A questão que se apresenta é a seguinte: não há como uma mulher ocupar espaços de poder sem a luta cotidiana que passa pelas categorias de classe, gênero e raça. E aqui acho que é importante lembrar que “a consciência de classe é saber de que lado da cerca você está. A análise de classe é descobrir quem está lá com você”. Isso porque o que é intrínseco, próprio desse espaço de luta por equidade é a luta de classes. As mulheres foram e são invisibilizadas, silenciadas no processo de submissão e violação dos direitos humanos e constitucionais, sendo ainda hoje desfavorecidas economicamente, muitas com dupla jornada de trabalho e outras subempregadas. E nessa busca por representatividade, é importante ainda lembrar que as mulheres negras, indígenas e trans estão na base da pirâmide dentro da luta por equidade. Aqui vemos explicitamente o recorte na pirâmide de gênero, classe e raça. E no serviço publico, apesar das cotas, a realidade não é diferente, principalmente devido aos últimos seis anos do nosso panorama político-social no qual a política da opressão e da perseguição aos grupos mais vulneráveis socialmente e as instituições de educação, com sistemática tentativa de destruição de politicas públicas afirmativas. Nesse sentido, é importante lembrar que somos, enquanto mulheres, mais de 51% do eleitorado brasileiro, no entanto, continuamos elegendo homens conservadores e representantes das oligarquias patriarcais e opressoras.

O que quero dizer é que a ocupação de espaços por parte das mulheres não cabe apenas a ocupação em si, mas ao espaço ocupado com consciência de classe, sabendo quem somos, onde estamos, quem está do nosso lado e onde queremos chegar. Sem isso, não há como ocupar espaços reais, espaços de construção e luta, pois não há participação efetiva nem empoderamento. Um exemplo disso é a participação de mulheres conservadoras na política que reafirmam o poder patriarcal e atuam de forma contraproducente, contrariando as pautas femininas. Como diz Sueli Carneiro (2017), filósofa e uma das principais referências da discussão do feminismo negro no Brasil, “a liberdade exige uma vigilância constante e a conquista de direitos é uma luta permanente”.

É preciso mudar esses paradigmas, esses modelos sociais estabelecidos pelo patriarcado. Somos a maioria em números gerais da população e ainda assim não conseguimos ocupar os lugares que precisamos para mudar esse padrão eurocêntrico do patriarcado. Não há uma fórmula mágica para mudar esse cenário, nunca houve! Precisamos mudar a forma de pensar a política, mudar a cultura do patriarcado, e só mulheres empoderadas e conscientes do seu papel social e político podem provocar essa mudança, por isso, parafraseando o Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels mulheres de todo mundo, uni-vos!

 

REFERÊNCIAS

CARNEIRO, Sueli. Sobrevivente, testemunha, porta-voz. Revista Cult. Entrevista Bianca Santana. N° 223, ano 20, Maio 2017.