A sabotagem contra o governo

A situação internacional continua a agravar-se. Nos Estados Unidos já foi criada uma nova expressão para designar o quadro atual: “Polycrisis”, policrise em português. Não temos só uma crise, temos um conjunto delas que se expandem em vários terrenos. São referidas as crises na saúde (a pandemia), nas cadeias produtivas globais com sua desestruturação, na geopolítica, com as tensões levando à guerra, nas disrupções tecnológicas, no sistema financeiro etc. Já temos falado sobre isto, e como este conjunto de fenômenos dificulta a análise da evolução do ciclo mundial. Torna-se cada vez mais uma opinião consensual a aproximação de uma grande crise internacional e os economistas avaliam em 65% a probabilidade dela ocorrer. A inflação resiste em ceder apesar de todos os Bancos Centrais (BCs) continuarem a subir os juros de referência, mesmo nos EUA onde a situação, para espanto geral, é ainda mais grave. Fala-se na possibilidade de ser decretado um calote na dívida pública. Em 19 de janeiro o governo atingiu o teto do endividamento permitido que é de US$32,4 trilhões. O escândalo ainda não estourou porque o Federal Reserve (Fed), BC americano, vem realizando uma série de manobras contábeis para esconder o fato. Os republicanos, que têm maioria no Congresso, não querem aprovar um aumento do teto e propõem uma redução das despesas, com exceção das militares. O impasse está criado e tende a agravar-se.

A ação dos bancos centrais perdeu a sua eficácia. Todos sobem os juros, mas a inflação não cede, para surpresa e decepção geral. Afinal, a teoria não afirma que esta é a solução? A ideologia econômica professada por eles é tão fanática que não podem admitir que o problema está exatamente aí: a teoria está errada. Tenta-se desenvolver novas explicações. A mais usada no momento é a de que se passou ao estado de “dominância fiscal”. Isto ocorre quando a situação é tal que a política monetária, atribuição principal dos BCs, perde a eficácia diante da política fiscal. O instrumento mais poderoso que é utilizado é a manipulação dos juros de referência que se torna inútil no controle da inflação. Vários seminários têm sido realizados para discutir o assunto como o promovido na sexta-feira passada (22) em São Paulo, com a participação de ilustres personalidades como Pedro Malan, Pérsio Arida, Roberto Campos Neto (presidente do BC), Roberto Setúbal (Itaú), Octavio Lazari Jr (Bradesco), Gabriel Galípolo etc., além de figuras internacionais como Agustin Carsters, dirigente do Banco de Compensações Internacionais (BIS), Tiff Macklem, presidente do Bank of Canadá etc. Após muitos debates, apenas concluíram que a política monetária está perdendo sua eficácia. Pressionado por alguns participantes, Campos Neto, depois de reconhecer que a economia e o mercado de trabalho não desaceleram e que a inflação demora a cair, desculpou-se afirmando que a política de juros altos não é sabotagem ou capricho do BC.

Em outra conferência promovida pelo Federal Reserve de Atlanta nos EUA, o presidente regional Raphael Bostic reconheceu que os EUA atravessam um período de incerteza justificando com os mesmos argumentos que caracterizam a “Polycrisis”. Apesar disto afirmou que o Fed não pretende reduzir os juros. Janet Yellen, secretária do tesouro dos EUA, afirmou que “o tempo está se esgotando para evitar a catástrofe”.

A difícil situação dos EUA já está provocando o abandono do dólar nas relações comerciais internacionais e a substituição da moeda americana, como lastro, pelos BCs de todo o mundo. O dólar representava 71% das reservas mundiais de todos os BCs, em 1999. Hoje ele representa apenas 58%, sendo substituído pelo Renmimbi (chinês) 25% e o Euro 20,5%. Esta situação tende a se agravar diante das ações dos BRICS e do Banco dos BRICS. Justas são as propostas do governo Lula sobre o tema.

Mas a situação internacional degrada-se em outras regiões do mundo. O tão esperado crescimento da China vem perdendo força e a locomotiva da União Europeia, a indústria da Alemanha também desacelerou.

Nesta atmosfera pesada a difícil missão do governo, além de defender a democracia, é promover o desenvolvimento do país. Terá, porém, de enfrentar sabotagens vindas de todos os lados. No congresso reacionário o governo sofre derrotas que a imprensa amplifica e divulga com escândalo na tentativa de demonstrar que a situação está fora de controle. As CPIs criadas servem de palco para todo tipo de provocação com os ataques histéricos dos “bolsominions” que o governo tem conseguido muito bem contornar. A aprovação das Medidas Provisórias arrasta-se criando a possibilidade de perderem a validade. As dificuldades atingem até a criação da nova estrutura do governo que está sendo desmontada na tentativa de destruir a política ambiental como é ocaso da demarcação das terras indígenas e de proteção da mata atlântica. Querem minimizar o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério dos Povos Indígenas. Os ruralistas hostilizam por todos os lados apoiados por uma boa parte da burguesia mais conservadora.

O sistema financeiro (o chamado “mercado”), manipulando o Banco Central, continua comandando a política monetária sob a liderança do Bob Fields Neto. O resultado é a manutenção dos juros elevados (13,75% ao ano), o mais alto do mundo, sufocando a atividade econômica. Este é um dos piores inimigos pois se acobertam com o manto sagrado da autonomia e de argumentos “técnicos”. Enquanto o governo quer promover o desenvolvimento e o crescimento, o BC quer aumentar o desemprego e desacelerar a economia, segundo suas próprias declarações.

Com certeza é muito grande o desafio que temos pela frente. Preparemo-nos para a batalha.