Quanto vale o trabalho de uma mulher?
Feito o pregão. Entram as partes acompanhadas de seus advogados. Vinte e cinco anos de união, três filhos, um patrimônio a ser dividido. Dois estranhos. Início da audiência de divórcio. Pergunta protocolar: há acordo entre as partes?
A mulher, secamente: do jeito que ele quer, não.
O homem, hostilmente: não trabalhei a vida inteira para dividir tudo que construí com uma mulher que passou a vida dentro de casa sem nunca saber o que é dar duro!
A advogada da mulher se ajeita na cadeira, respira fundo e imagina enfiando a caneta na jugular daquele senhor, mas foi só na imaginação (que bom). Já o advogado do homem expressa um risinho de canto de boca e olha para baixo.
A juíza que presidia aquela audiência deu andamento aos trabalhos e seguiu com aquilo que chamamos de “instrução”. Em simples palavras, a instrução ocorre quando não há acordo entre as partes e o juízo, a partir das provas apresentadas e de seu convencimento, decide acerca do caso em julgamento.
Esse trecho foi trazido de uma audiência ocorrida em uma Vara de Família da Comarca de João Pessoa, e é algo recorrente em todas as varas de família de qualquer Estado da Federação, trocando apenas os personagens.
É que na maioria das cabeças masculinas, colaborar com as despesas é trabalhar fora de casa. O trabalho doméstico é de menor ou de nenhum valor. No entanto, para que um trabalhador, casado, pai, com responsabilidades financeiras possa exercer uma carreira profissional, ele, inevitavelmente, precisará de um suporte de alguém que, via de regra, é a mulher da audiência do início dessa conversa.
A premissa do feminismo é a liberdade. Liberdade para que as mulheres possam ser o que elas quiserem. Se elas quiserem ter uma carreira, morar em outro país, ser astronauta, tudo certo! Se ela quiser ser mãe e cuidar de sua casa em tempo integral, não será menos mulher por isso! Tudo certo também!
Para que aquele cidadão do exemplo trazido aqui pudesse construir algo ou “tudo que construiu”, sua esposa passou toda sua juventude cuidando da limpeza da casa, da comida da família, da educação daqueles três filhos, da organização da agenda daquele homem, das malas e roupas limpas ao chegar das viagens de trabalho. Ela dedicou parte de sua vida àquela família, os anos foram passando, a maturidade foi se avizinhando e, dificilmente, sem qualquer profissionalização, aquela mulher seria encaixada no mercado de trabalho. Será mesmo que não era parte daquilo que foi construído?
Recentemente, a Argentina aprovou lei que beneficia mais de cento e cinquenta mil mulheres que dedicaram a vida aos cuidados maternos. Trata-se de um benefício previdenciário com o intuito de minorar as desigualdades de gênero. A Argentina reconheceu a importância do trabalho das mulheres que se dedicam aos seus filhos e a iniciativa dessa política pública manda exatamente esse recado: sabemos que vocês não foram mais longe porque não estavam em condições de igualdade com os homens ou mesmo com as mulheres que não são mães.
Serão contempladas as mulheres com 60 anos ou mais, que sejam mães e não tenham os 30 anos de contribuição necessários para ter acesso à aposentadoria. A medida entra em vigor a partir de 1º de agosto e será realizada por meio do Programa Integral de Reconhecimento de Prazos de Contribuição para Tarefas Assistenciais — mais do que uma bela iniciativa de política pública, trata-se de uma medida de justiça social.
Ainda há muito para aprendermos com nossos “hermanos argentinos”, e, voltando ao assunto que introduziu esse texto, naquela audiência, a sentença foi salomônica! A juíza que a presidiu sentenciou que o patrimônio do casal deveria ser dividido, igualmente, em duas partes. Isto porque, de acordo com seus fundamentos, ambos, independente da forma de contribuição, colaboraram para que aquele patrimônio fosse erguido e, quando se fala em contribuição, não há como medir quem fez mais ou menos, cada um de nós sabe o que é o nosso melhor e, aquela mulher havia dado o seu tudo. Disso não restam dúvidas!