Opinião

Discurso de Deltan repete fórmula lavajatista e beira à irracionalidade

O pronunciamento do ex-procurador Deltan Dallagnol sobre a cassação de seu mandato de deputado federal reuniu o pior dos mundos: errou na forma, no conteúdo e na composição do cenário. Rodeado por figuras da extrema-direita investigadas por corrupção e/ou por participação nos atos golpistas do oito de janeiro, entre elas Eduardo Bolsonaro,  Deltan se contradiz quando se coloca como paladino da Justiça e vítima de um sistema que “persegue os bons”.

“Perdi meu mandato porque combati a corrupção”, disse. Bom lembrar que a forma como ele conduziu a Lava Jato e criminalizou a política ajudou a eleger os corruptos que ele diz combater. Atenção especial para o tom messiânico adotado por ele – que reproduz a lógica da Lava Jato – e para a tentativa de politizar uma decisão judicial pautada em fatos; falo da exoneração para disputar as eleições a 11 meses do pleito, quando a legislação permite a permanência até o sexto mês, para evitar Processos Administrativos Disciplinares (PADs) que culminariam com sua inelegibilidade por 8 anos.

Para o TSE houve fraude, tanto que a decisão pela cassação foi unânime. Dallagnol tentou escapar da legislação, especificamente da Lei da Ficha Limpa que já defendeu. Os ministros entenderam que sequer há que se falar em presunção de inocência pois ele renunciou para evitar os PADs. Todavia, o que levou à cassação não foi um resultado futuro mas a fraude consumada para fugir do que ele sabia que estava por vir.

Na paranoia delirante de Deltan, porém, a cassação de seu mandato foi fruto de decisão política e os sete ministros eleitorais se juntaram contra ele. Mas veja o que diz a 64/90 sobre inelegibilidade em seu Art. 1º, inciso I, alínea q :

“São inelegíveis, para qualquer cargo, os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos. Notadamente, não há que se falar em “inelegibilidade imaginária” como citou o paranaense, que muda a interpretação dos fatos conforme a própria necessidade.”

Pelo exposto acima, fica cristalino que os ministros do TSE aplicaram a lei. Contra o ex-procurador havia 15 procedimentos disciplinares – que poderiam se tornar administrativos-disciplinares se ele não tivesse pedido exoneração. Contudo, Deltan já havia sido condenado em dois PADs transitados em julgado pelo CNMP, Conselho Nacional do Ministério Público, com autoridade para julgar segundo o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) a quem Deltan recorreu em vão.

Voltando ao tom messiânico, que divide o mundo entre o bem e o mal, “cidadãos de bem” e bandidos. Deltan apelou para essa narrativa, usando, inclusive, elementos religiosos no discurso inflamado, com ataques aos ministros e às Instituições, reproduzindo, assim, o modus operandi lavajatista, incitando os fundamentalistas apegados à política fascista da divisão e do ódio. Com o pronunciamento desta quarta-feira (17), Deltan, que ainda pode tentar reverter a derrota, entrega seu propósito que se sustenta na corrosão das bases democráticas e na irracionalidade.

Pelo conteúdo, pela forma e pelo espetáculo montado, portanto, o ex-procurador se coloca em posição frágil e ignora que a Democracia, por sua própria natureza, é feita de regras que não podem servir à conveniência de alguns e mudar a depender dos atores e dos ventos que sopram. Quebrar essas regras e infringir a lei exige consequências. Por fim, trago as palavras do próprio Deltan em passado recente para que não se percam no vão do esquecimento: “ninguém está acima da lei!”. Se a lição será pedagógica e ele adotará o próprio jargão, aí já são outros quinhentos.

 

Foto capa: REUTERS