Religião progressista x religião reacionária:  a humanidade em xeque

Regina Negreiros

As religiões podem ser progressistas ou reacionárias. Podem libertar para uma cosmovisão ampla e humana, voltada para a alteridade e empatia, ou podem servir de bolha antidemocrática, invisibilizando ainda mais as pessoas vulnerabilizadas e oprimidas pelo sistema. A grande questão é que as religiões existem desde sempre, seja de forma mitológica ou institucional. Ela sempre esteve no meio de nós porque é uma forma de navegação da existência que precisa de um norte, uma bússola para seguir. Tem uma frase que gosto muito e que é de Fernando Birri, citado por Eduardo Galeano in ‘Las palabras andantes?’ de Eduardo Galeano (1994): “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” De alguma forma a fé e/ou a religião é isso, essa utopia em nós que nos auxilia a caminhar!

Um problema que deve ser pensado é o fato de buscar-se nas religiões uma ética ou uma moral que se alinhe com aos pensamentos mais íntimos do indivíduo, aqueles que muitas vezes não se confessa a ninguém. A religião, portanto, alinha-se as crenças individuais e culturais, o que permite que se pense que a crença em algo existia mesmo antes de um alinhamento religioso, constituindo-se assim, para o sujeito, uma forma de sustentação e autopreservação. No entanto, ao analisar histórica e culturalmente o surgimento dos mitos percebe-se que, a religião, em sua origem é uma forma de sustentar-se a si mesmo. Ela precisa de pessoas para ter um status de coletividade e num movimento circular sobre seu próprio eixo, ela domina para ser coletiva; e domina se reinventando, se adequando, se fundindo para assim continuar dominando e ampliando suas bases hegemonicamente.

E por estar sempre no meio de nós constituindo um norte, uma bússola, não há como, de alguma forma, escapar da cultura que fomenta a própria existência religiosa, mítica ou a fé em algo imanente ou transcendente. E se não há como fugir da crença, espero que a fé seja na existência de um futuro justo, um mundo melhor e mais humano. Mas, para isso, precisamos problematizar questões ligadas as religiosidades e como estas buscam uma equidade ou buscam uma subalternidade. Problematizar a fé não é pecado, pecado é assujeitar-se e ferir-se a si mesmo e ao seu semelhante; é não dividir o pão e subtrair do outro sua dignidade. A fé não pode ser cega.

O Brasil, apesar de ser constitucionalmente laico, é um país cuja maioria é cristã e possui uma grande parcela, dentre os cristãos, de fundamentalistas. A grande incongruência é que o país é composto por maioria da população negra, afro-descendente, mas é o cristianismo branco e eurocêntrico que dita às regras, tendo sido introduzido, junto com milhares de afro-diaspóricos, através do colonialismo europeu, constituindo-se como uma violação cultural e humana sem precedentes. Outra incongruência oriunda do eurocentrismo e do fundamentalismo é o fato do Brasil ser constituído majoritariamente por mulheres, e mesmo assim, ser extremamente misógino. Os fatos expõem que o Brasil é uma grande caricatura da democracia que usurpa reaccionariamente os direitos e garantias fundamentais das populações vulnerabilizadas. E o que a religião tem haver com isso? Tudo, tendo em vista que a população brasileira constitui-se majoritariamente de pessoas que professam religiões cristãs como católicos e evangélicos, cuja grande parcela, como dito anteriormente, navega nas ondas do fundamentalismo religioso sem problematizá-las ou mesmo questionar o que lhes é incutido. Uma fé cega que tem nas mãos uma faca amoladíssima!

O que move a religião é o coletivo dominante que direciona as massas conforme seus interesses. Isso é interferência política e é por isso que a política é um elemento que sempre esteve e está presente nas religiões. E não me refiro a partidos políticos! A combinação da política e da religião, somada aos interesses dominantes que subtraem de si os interesses de justiça social e igualdade de direitos, é a equação que move o Brasil. Se essa equação se tornar simples e a matemática se tornar básica, o povo vence a opressão e muda os rumos das religiões dominantes que precisarão se reinventar para se adequar e tentar outra forma de dominação, pois a leitura dessa equação possibilitará a problematização das atitudes de religiosos à frente de suas igrejas o que talvez nos aproxime mais do utópico horizonte onde reside a justiça social e a equidade, algo que nunca existiu no brasil colonial e neocolonial.

Então, se a religião pode ser progressista ou reacionária, que não percamos nossa utopia de transformação do mundo em um lar onde haja igualdade, fraternidade e justiça social. Que nossa religiosidade seja pautada na humanidade e que essa humanidade seja plena.

 

REFERÊNCIA:

ROBERTSON, David. A Dictionary of Modern Politics. London and New York: Europa Publications, 2002.

ARMSTRONG, Karen. Em nome de Deus – o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. Trad. Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Revista Prosa, Verso e Arte. Para que serve a utopia? – Eduardo Galeano. Disponível em: https://www.revistaprosaversoearte.com/para-que-serve-a-utopia-eduardo-galeano/. Acesso em 06 mai 2021.