Opinião

Sistema político sobrecarrega o Judiciário, afirmam especialistas

Para Cármen Lúcia, uma das convidadas de seminário sobre os 40 anos das Diretas Já, democracia brasileira é ‘planta frágil’.

No segundo painel do seminário 40 anos das Diretas Já, dedicado ao papel do Judiciário na democracia brasileira, debatedores concordaram que o sistema de Justiça está sobrecarregado devido à implementação de direitos previstos na Constituição Federal de 1988.

O evento foi promovido pela Folha e pela OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo) nesta segunda-feira (29), na capital paulista. A mediação foi do jornalista Oscar Pilagallo.

A causa do problema, apontaram, é a dificuldade do sistema político de arbitrar conflitos e de avançar na efetivação de políticas públicas.

“O Judiciário se transformou no principal ator de definição de políticas públicas”, disse o vice-presidente da seção paulista da OAB (Ordem Brasileira dos Advogados), Leonardo Sica, citando decisões recentes do STF (Supremo Tribunal Federal), como a derrubada do marco temporal e a suspensão da desoneração da folha de pagamento.

“Nós, dos grupos vulneráveis dessa sociedade, devemos nossa sobrevivência ao STF”, afirmou Eunice Aparecida Prudente, professora sênior da Faculdade de Direito da USP, uma mulher negra.

“Os direitos humanos vêm sendo cuidados e protegidos pelo Judiciário.”

Oscar Vilhena, diretor da Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, e colunista da Folha, vê nos direitos garantidos pela Constituição de 1988 uma herança da campanha das Diretas Já —encerrada quatro anos antes da promulgação da Carta.

“Certamente tivemos a Constituição mais democrática da nossa história”, disse. “Ao longo desses 40 anos, muito se transformou, mas nem tudo se realizou. E o Judiciário passa a ser repositório de algumas das promessas não realizadas pelos outros Poderes.”

Em fala muito aplaudida, a ministra Cármen Lúcia, do STF, lembrou de sua militância no movimento estudantil, na década de 1970, ainda sob a égide do decreto-lei 477/69 —que limitava direitos de organização política entre estudantes— e da campanha das Diretas Já.

“As Diretas nos ensinaram que somos um povo capaz de se unir em prol do bem de todos”, afirmou a ministra. “Nós nos unimos pelo que queríamos, pelo que era bom para o Brasil e não contra algo”.

A ministra ainda comparou a democracia brasileira a uma “planta frágil”, que requer cuidados diários.

“A erva daninha, que é o despotismo, a tirania, é fácil de brotar”, disse.

Aludindo indiretamente às disputas entre o Supremo e o Congresso Nacional, Sica, da OAB-SP, disse que, para sobreviver, o Judiciário precisa desenvolver a autocontenção.

Caso isso não ocorra, o país correria risco de entrar no que ele chamou de “loop” de constitucionalidade.

“O Supremo julga que algo é inconstitucional, o Parlamento aprova uma lei contrária ao que o Supremo julgou, aquela lei vai ser julgada inconstitucional pelo STF”, afirmou o advogado.

“Talvez o regime presidencialista não dê mais conta desse Executivo em que o presidente é chefe de Estado e chefe de governo”, afirmou Prudente, professora da USP. “Precisamos rever o próprio sistema presidencialista.”

Foto: Da esq. p/dir., Leonardo Sica, Cármen Lúcia, Oscar Pilagallo (mediador), Eunice Prudente e Oscar Vilhena durante o segundo painel do evento – Jardiel Carvalho/Folhapress

Publicado originalmente em Folha